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Os saberes indígenas e a ciência ocidental, caminho para a Amazônia

Em entrevista exclusiva para a REPAM-Brasil, padre Justino Rezende, o primeiro padre indígena da etnia Tuyuka e membro do povo Utãpinopona, compartilha suas ideias sobre a integração entre o conhecimento ancestral indígena e a ciência ocidental.

Camila Del Nero - REPAM-Brasil

Em um mundo cada vez mais marcado por crises ambientais e sociais, a reflexão sobre como diferentes formas de conhecimento se unem para solucionar problemas globais se tornam cada vez mais urgentes. Em entrevista exclusiva para a REPAM-Brasil, padre Justino Rezende, o primeiro padre indígena da etnia Tuyuka e membro do povo Utãpinopona, compartilha suas ideias sobre a integração entre o conhecimento ancestral indígena e a ciência ocidental. Com uma visão provocante, mas cheia de esperança, ele nos convida a compensar a relação entre os saberes e a necessidade de um diálogo que respeite e valorize a sabedoria milenar dos povos indígenas.

Nascido na aldeia Onça-Igarapé, no Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, padre Justino é um defensor do diálogo intercultural, atuando na evangelização e no fortalecimento das tradições indígenas, incluindo práticas culturais e medicinais. Para ele, os conhecimentos indígenas, por serem milenares, são anteriores ao contato com a colonização e representam uma rica fonte de sabedoria que pode contribuir significativamente para a preservação da Amazônia e o enfrentamento de desafios globais, como as mudanças climáticas e a manipulação ambiental.

Os saberes indígenas, profundamente enraizados nas dinâmicas culturais e territoriais dos povos, têm sido constantemente atualizados e adaptados às mudanças do ambiente, garantindo a sustentabilidade das comunidades. “Para a nossa visão, os conhecimentos indígenas já deram seus frutos ao longo dos séculos, mas também se adaptam e se renovam, garantindo a sobrevivência dos povos em harmonia com seus territórios”, afirma padre Justino. Ele destaca a importância de abrir espaço para que a ciência ocidental integre esses saberes ancestrais, pois, segundo ele, a ciência moderna pode se tornar mais robusta ao dialogar com as práticas indígenas, enriquecendo suas soluções para os problemas do mundo.

Esse diálogo entre os saberes pode ser evidenciado em práticas como o manejo territorial indígena, o uso de medicamentos naturais e a integração dos povos indígenas nas universidades e instituições científicas. “Hoje, vemos iniciativas como escolas indígenas e centros de saúde que promovem a medicina tradicional, além de ações que trazem os conhecimentos indígenas para as universidades. São visíveis sinais de que há caminhos alternativos para a sustentabilidade”, explica o padre.

Padre Justino também ressalta que a visão indígena de que todas as formas de vida estão interligadas pode contribuir significativamente para transformar a abordagem científica ocidental, que muitas vezes vê a natureza apenas como um recurso a ser explorado. "Para nós, seres visíveis e invisíveis estão interligados. Os biomas, as plantas, os animais, os rios e até os seres invisíveis, como as constelações e os trovões, fazem parte de um grande corpo vivo", explica. Essa compreensão de reciprocidade, onde a humanidade se relaciona com a natureza de forma respeitosa, poderia transformar a ciência ocidental, trazendo um entendimento mais holístico e integrador do meio ambiente.

A espiritualidade indígena, muitas vezes vista com desconfiança pela ciência ocidental, também desempenha um papel fundamental nesse processo. Para os povos indígenas, a espiritualidade não é separada da ciência, mas é uma parte essencial do seu conhecimento. “A espiritualidade indígena sustenta a vida, interage com as forças imateriais e permite um manejo equilibrado das realidades ao nosso redor. Isso não é religião, mas ciência, uma ciência que vai além da matéria”, afirma padre Justino. Ele acredita que a espiritualidade indígena pode ajudar a ciência a enxergar a Amazônia como um organismo vivo, cheio de interconexões e forças que precisam ser respeitadas.

Embora haja ainda muitas barreiras ao reconhecimento do conhecimento indígena pela ciência ocidental, padre Justino é otimista. Ele acredita que a interação entre os saberes pode ser transformadora, não só para as comunidades indígenas, mas para o mundo como um todo. "A ciência ocidental pode aprender muito com os povos indígenas, e os povos indígenas também podem aprender com a ciência ocidental. Essa troca traz uma nova perspectiva mundial e fortalece ambas as formas de saber", afirma.

Justino também enfatizou a importância de incluir os jovens indígenas nesse processo de construção de pontes entre o conhecimento ancestral e o mundo científico. "Os jovens indígenas são fundamentais nesse processo. Eles estão mais abertos para se apropriarem do conhecimento e devem ter acesso a escolas e universidades que valorizem seus saberes culturais. Só assim poderemos construir um futuro mais equilibrado, onde as ciências indígenas e ocidentais possam trabalhar juntas em prol da preservação da vida e do planeta."

Em sua mensagem final, Padre Justino nos convida a refletir sobre o papel essencial dos povos indígenas na proteção da Amazônia e na construção de soluções para os desafios ambientais. Seu chamado por uma complementaridade entre os saberes não é apenas uma proposta técnica, mas um gesto de esperança por um mundo mais equilibrado, em harmonia com todas as formas de vida. A verdadeira inovação, nos lembra padre Justino, surge da capacidade de ouvir, aprender e unir perspectivas aparentemente distintas em prol de um bem comum, fortalecendo a ciência e a responsabilidade compartilhada de cuidar do planeta.

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13 dezembro 2024, 13:51